sexta-feira, 25 de junho de 2010

Grande Otelo no Roda Viva


Eu estava passeando pela internet tentando decidir que filme com o Grande Otelo, além do Macunaíma do Quinzinho, eu devia assistir, quando encontrei, no site da TV Cultura, um Roda Viva com ele, de 1987.

Muito legal é notar que o Roda Viva é o mesmo desde faz esse tempão todo. Hoje em dia quem apresenta é o Heródoto Barbeiro, que eu curto demais, e em 1987, era o Rodolpho Gamberini. Mas o resto, é a mesma coisa. Sabe os twiteiros do Roda Viva? Que você manda perguntas por twitter e eles passam pros entrevistados? Então, já tinha! Mas era pelo telefone. O que é muito legal porque é de antes da época da "interatividade" com a tevê.


O Paulo Caruso estava lá também. Desenhando bem como sempre, mas olha a cara do Caruso nos anos 80, que pão!


Falando em pães, o Paulo Betti, que foi mencionado aqui num post de não faz muito tempo, estava lá também, na entrevista com o Grande Otelo. E mesmo que não seja o melhor dos diretores brazucas (mas que estava muito bacana em Lamarca e também de Ed Mort), não se estava de jogar fora nos anos 80. Olha só!


Eu sou muito fã do Roda Viva. Gosto muito de programas de entrevista, com o Bóris Casoy, o João Gordo, o Mojica Marins ou até a Marília Gabriela, mas o formato do Roda Viva é o melhor. Não é à toa que está no ar há quase 25 anos. Ano passado, durante as comemorações dos 40 anos da TV Cultura, eles reprisaram alguns Roda Viva antigos, e eu consegui ver um com a Dercy Gonçalves que foi muito bacana.

Além das entrevistas com artistas, sempre muito legais (a última que eu vi foi com os gêmeos Gabriel Bá e Fábio Moon, que gostam de fazer piada com a quantidade de gêmeos cartunistas no Brasil - os Caruso também são gêmeos), o Roda Viva prima mesmo é pelas entrevistas políticas. Brilhantes, brilhantes! Eu queria encontrar o clássico do Quércia esquentadinho (não achei nos arquivos do site, mas dá pra ver no youtube) e acabei tropeçando em... Luís Carlos Prestes! Aquele mesmo, da coluna Prestes do tenentismo, "marido" da Olga Benário que foi mandada pra Alemanha nazista pelo Vargas, o comunista. Deve ser uma entrevista magnífica (é de 1986, o programa)!

Fiquei tão empolgada em dividir o achado do Grande Otelo com vocês que não deu nem tempo de assistir o programa. Bora lá assistir, porque cinema, afinal, não é só a tela grande e os 90 minutos de ficção. É também a gente que faz, a história que traz e nosso envolvimento com ele. O objetivo do projeto é aumentar o envolvimento com o cinema brasileiro, não só ver os filmes. E o cinema acaba vazando para a tevê, e a tevê também tem uma história que pode ser querida. Roda Viva ou Programa Abertura, faz parte da experiência de quem curte imagem em movimento. Correto?


Roda Viva passa toda segunda-feira às 22h00 na TV Cultura, e a gravação do programa é as 18h00 das segundas, com transmissão ao vivo pela internet. Aí vc pode mandar seus tweets!
O próximo programa vai ser com a Dilma, e teve também um com o Serra e outro com a Marina, o que é muito bom porque pode te ajudar a decidir em quem você vai votar quando a Copa do Mundo acabar!

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O cheiro do ralo


por Ítalo Rosendo

Baseado na obra do Lourenço Mutarelli (só sei porque fala no começo), tem como ator principal Selton Mello, que possui um jeito peculiar de interpretar, que combinou muito bem com o estilo pseudo-drama retratado.

O filme tem como tema central A Bunda e O Cheiro do Ralo; e em segundo plano tem O Olho. E a partir desses três itens inicia-se a trama.

Classifico esse filme como Cult e pra mim está na lista de filmes “mindfuck”, aqueles que nos fazem quebrar a cabeça por possuir tanto simbolismo e analogias realmente abstratas. Sofre um pouco do fardo clichê dos filmes brasileiros de possuir putaria, mas não é uma putaria qualquer, é uma putaria filosófica (?).

O protagonista é um cara muito perturbado e fudido, que trabalha comprando coisas velhas das pessoas pra revendê-las. E, por ser fudido, perturbado e infeliz, ele só isso tem a oferecer a tudo em volta dele.

Diálogos simples, monólogos simples, mas nessa simplicidade é possível extrair muita coisa para refletir. Além de tudo o ambiente e a linguagem corporal enriquecem bastante.

Concluindo minha pseudo-análise, o filme é muito bom, possui uma carga grande de reflexão se você conseguir captar o sentido real do que se mostra, talvez essas reflexões possam ser subjetivas, já que de tão profundas que são (ou não) o único modo de compreendê-las é ser tão perturbado e estranho quanto aquilo que se observa. Mas aí depende da onde vem mesmo o cheiro do ralo.

O cheiro do ralo (2007)
Comédia, 112 min.
Direção: Heitor Dhalia
Roteiro: Marçal Aquino e Heitor Dhalia, baseado em livro de Lourenço Mutarelli
Atores: Selton Mello, Paula Braun, Lourenço Mutarelli, Flávio Bauraqui, Fabiana Guglielmetti, Martha Meola, Susana Alves


Ítalo Rosendo é meu colega de faculdade, que foi um fofo de curtir o blog e escrever sobre o filme preferido dele. Eu também vi O cheiro do ralo, antes de começar o projetinho filmes brasileiros em 2010, e também gostei muito. Também é um dos filmes preferidos do meu namorado. Êita sucesso!


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sábado, 19 de junho de 2010

Cafundó


Há um tempinho, eu consegui trazer um professor meu pra fazer uma visita aqui no blog, o professor Marum lá da minha faculdade de Direito, e o cara curtiu tanto que, na terça-feira seguinte, ele me trouxe um filme pra eu assistir. Era o Cafundó. Meu namorado já tinha me falado pra ver esse filme, e uma outra professora lá da faculdade também fez uma indicação geral pra turma pra ver ele. Todos por motivos diferentes. A professora Daniela estava fazendo a gente ler Casa grande e senzala e Darcy Ribeiro, e queria que a gente observasse a coisa das relações de raça no fim do XIX, começo do XX. Meu namorado queria que eu visse por causa do João de Camargo, por ser um cara espiritualizado. O Marum? O Marum queria que eu visse ele no filme! "Depois você olha nos créditos finais e vê o que foi que eu fiz no filme."

Eu copiei o DVD dele e, na hora de ler os créditos finais, eles estavam fora de foco. Não sei o que foi que o Marum fez, se foi algum tipo de consultoria ou apoio. Manti os olhos bem abertos durante todo o filme procurando ele e não encontrei. Então, se foi figuração o que ele fez, só pode ter sido a mulher barbada.


O Paulo Betti me desculpe, mas, como execução, o filme tá bem fraquinho. A história é bacana e vocês vão ver quanta discussão o filme rende. Mas tá bem chatonildo. Mesmo assim, eu recomendo que vocês vejam, pela história, pela discussão. Especialmente se você for sorocabano, porque daí faz parte da sua história. Quando a gente é sorocabano, tem que fazer essas coisas, passear no Campolim, saber o que é um muar, assistir filme do Paulo Betti...

O João de Camargo é uma figura religiosa sorocabana. Meio espírita, meio candomblé, meio católico (adoro gente de três metades). Ele era meio curandeiro, meio milagreiro, meio santo. E fundou aqui uma Igreja que existe até hoje. A localização da capela é a coisa mais louca. Eu já sabia há muito tempo do João de Camargo, e também passei bastante tempo com o filme do Marum esperando na fila pra ser visto (antes de ver o filme, eu precisava terminar as leituras da matéria dele, viu, professor?), mas não sabia da tal da capela. Descobri do jeito mais prosaico. Eu estava no ônibus indo pro Campolim (coisa de sorocabano) e ouvi um homem pegar o celular e dizer "Já estou chegando aí, estou no ônibus, já, aqui do lado da igreja do João de Camargo." Aí eu olhei pro lado, e, sabe qual é a capela do Senhor do Bonfim João de Camargo? É aquela azul e branquinha, com o jardim bonitinho, que fica com desnível da rua lá na Barão de Tatuí! Minha vida inteira eu passei do lado dela e não sabia qual era!


O filme chama Cafundó por que o João morou um tempo lá. O Cafundó é uma comunidade remanescente de quilombo que fica em Salto de Pirapora, município a uns 50 quilômetros daqui. É uma comunidade antiquíssima, que passou a maior parte do tempo escondida da sociedade comum. Quando "acharam" eles lá, em 1978, eles não estavam no século XX, e falavam um dialeto diferente. Imagina só!

Eu fui pra lá uma vez, no meio da campanha que eles estavam fazendo lá pra conseguirem a posse da terra que ocupam há mais de 150 anos. A questão é que eu não me lembro com que grupo eu fui, se foi algum passeio de alguma organização negra sorocabana, ou algum grupo político. Eu lembro de ter visto um ritual religioso que me impressionou horrores (eu nunca fui em terreiro de candomblé nem nada parecido, tudo que eu vi de ritual religioso foram umas missas e, mesmo assim, bem poucas), com música e dança e roupas especiais. Lembro que foi lá a última vez que andei a cavalo. Quase caí. Isso foi há mais de dez anos.

Saiu esses dias o Estatuto da Igualdade Racial. A questão da posse da terra por comunidades remanescentes de quilombos ficou de fora. Ali no Cafundó, a coisa deu certo, depois de muita luta. Eu li na internet que a comunidade, que ocupava tradicionalmente 218 hectares, ganhou em 1976 a posse de 21 hectares. Bonita coisa pra uma sociedade agrícola. Continuaram batalhando e, finalmente, em 2004, conseguiram os 218 hectares que eram deles e haviam sido ocupados, ao longo do tempo, por fazendeiros da região. O artigo menciona mortes dos dois lados.

Uma vez eu tomei uma cerveja com uma mulher que participou da figuração do Cafundó, dançando. Conheci ela ali no Bozó, que fica, aliás, pertinho da igreja do João de Camargo. Era carnaval, e a gente já estava bem trilili, cantando samba e tudo o mais, quando o papo do Cafundó surgiu. Ela falou que fez o filme e eu falei que tinha ido lá. Ela ficou passadíssima, dizendo que queria ir muito lá, como se, de alguma maneira, o quilombo fosse parte da origem dela. Acho improvável, considerando que é um grupo fechadíssimo de umas 20 famílias, mas a questão é que o Cafundó virou parte da tradição negra por aqui. Pode não ser vistoso como Palmares, mas o Domingos Jorge Velho não achou esse aqui.

Cafundó (2005)
Drama, 100 min.
Direção: Clóvis Bueno e Paulo Betti
Roteiro: Clóvis Bueno
Atores: Lázaro Ramos, Leona Cavalli, Leandro Firmino, Francisco Cuoco, Flávio Bauraqui, Alexandre Rodrigies, Luis Melo


Em tempo: piadas à parte, o professor Marum me informou ontem, depois da prova, que foi dureza, que ele ajudou a financiar o filme, por ter achado o projeto bacana e ser amigo do Paulo Betti. Me disseram que o filme demorou à beça pra sair por causa da dificuldade de levantar a grana pra financiar, mas finalmente rolou, em parte por ajuda do Marum. Três vivas!

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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Os inconfidentes


Mais um longa do Joaquim Pedro. Este aqui é muito bacana. É um drama histórico sobre... a Inconfidência Mineira, nenhuma surpresa até aí. Foi feito com a habitual qualidade dos filmes do Quizinho (por que eu e êle agora estamos superíntimos, precebe?) e também com algumas cenas loucas que denunciam o Cinema Novo, das quais minha preferida é a cena de abertura, porque fala da mesma coisa que sempre mais me assombrou na história da Inconfidência: a idéia do Tiradentes apodrecendo, aos pedaços, no caminho de Vila Rica até a corte.


É um filme bem bacana este, recomendo muito e acho que vai agradar muita gente. Tem crítica aberta ao Tiradentes, o Tomás Antônio diz dele "Aquele fanático me aborrece. Não quero vê-lo". Serve bem pra quem gosta de duvidar do Tiradentes pelo hábito de duvidar de quem apontam como herói. O que é um hábito muito saudável, mas, guardando-se as proporções, não vejo muito problema em cultivar um ou dois heróis nacionais. Faz bem, pra quem tem tradição de lutas inglórias.

Apesar das cenas loucas, que costumam incomodar quem não está educado a assistir, a maior dificuldade dele não está nas imagens - as cenas loucas são poucas -, mas no texto. O Quinzinho (com a ajuda de um Sr. Eduardo Escorel) fez o roteiro todo usando apenas textos dos autos da devassa e de poemas do Cláudio Manoel da Costa, do Tomás Antônio Gonzaga, do Alvarega Peixoto e do Romanceiro da Inconfidência da Cecília Meireles, porque, além de um pão, ele era um homem muito ligado à poesia (suspiro!).

Foi muito bacana ver, na telinha da tevê, o Tomás Antônio Gonzaga em carne e osso acordando o Manoel da Costa justamente com meus versos preferidos das Cartas Chilenas:


AMIGO DOROTEU, PREZADO AMIGO,
ABRE OS OLHOS, BOCEJA, ESTENDE OS BRAÇOS
E LIMPA DAS PESTANAS CARREGADAS
O PEGAJOSO HUMOR, QUE O SONO AJUNTA
CRITILO, O TEU CRITILO É QUEM TE CHAMA:
ACORDA, SE OUVIR QUERES COISAS RARAS.
QUE COUSAS, (TU DIRÁS), QUE COUSAS PODES
CONTAR, QUE VALHAM TANTO QUANTO VALE
DORMIR A NOITE FRIA EM MOLE CAMA?
(...)
ACORDA, DOROTEU, ACORDA, ACORDA;
CRITILO, O TEU CRITILO É QUEM TE CHAMA.
(O texto completo dessa, que é a primeira carta, você acha aqui.)

Você precisam entender que o ciclo árcade de Minas Gerais é um pedaço muito querido meu da literatura brasileira. Sempre fui muito fã desses caras que o Quinzinho pegou e botou na tela usando o Fernado Torres, o Carlos Kroeber e o Luiz Linhares. Vibrei demais. Vibrei também em ver na telinha, com cara de louco e chapéu de três bicos, o senhor da Silva Xavier em pessoa, na pessoa, aliás, do Zé Wilker!

Esse Zé Wilker me pegou de jeito. Sempre conheci ele das novelas da tevê, não cheirava nem fedia, era só mais um ator global pra mim. Tanto fazia como tanto fez. Até que eu vi ele de governador da capitania de Minas (ó! ironia!) no Xica da Silva do Cacá Diegues, mandando muito bem. A partir daí, ele começou a aparecer em toda parte. Até que em Dona Flor eu tive que dar o braço a torcer que o cara é muito bom ator. E requisitadíssimo, por sinal. Só dos que eu me lembro agora, trabalhou com o Joaquim Pedro, com o Cacá Diegues e o com o Bruno Barreto. Quando eu crescer, quero ter um currículo assim também. Fiquei achando ele meio parecido com o John Malkovitch, que que vocês acham?

Lá pro fim do filme, o Quinzinho resolveu usar uns recursos teatrais pra disposição dos atores pra fazer sobrepor umas cenas. Desse jeito, a gente consegue ver o famoso "Dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria" logo antes da entrada da Dona Maria, ainda não louca, que vem pessoalmente recitar pra gente a medonha sentença do Tiradentes. Ela, isto é, a Coroa, meio que perdoa todos os envolvidos, trocando a pena de forca a degredo, menos pro Tiradentes, que era o único que não era figurão na patotinha. Lembram que a profissão dele, além dos bicos de dentista, era alferes? Fui perguntar pro Houaiss, e um alferes é um oficial de patente abaixo do tenente, um segundo-tenente. É o primeiro posto da carreira do oficialato. Não é muito, certo? Se mandar enforcar, esquartejar, pendurar os pedaços daqui até o Rio de Janeiro, ninguém vai sentir muita falta, certo?

Olha aí a sentença do Tiradentes. Para os meus amigos advogados, gente estranha que gosta de ler sentença, o texto integral pode ser encontrado aqui.

Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas publicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde em lugar mais publico della será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde o Réu teve as suas infames práticas e os mais nos sitios (sic) de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infamia deste abominavel Réu... 

Minha parte preferida é a que manda morrer morte natural para sempre... Me perdoem, só mais um pouquinho. Quero mostrar ainda a sorte do Manoel da Costa, que escreveu uns lindos poemetos.

Ao Réu Claudio Manoel da Costa que se matou no carcere, declaram infame a sua memoria e infames seus filhos e netos tendo-os e os seus bens por confiscados para o Fisco e Câmara Real. 

Olha aqui, tem o texto da Cecília Meireles (para deficiente visuais. ?!). Não tem paciência pra ler poesia? Pra ouvir Chico Buarque você tem, né? Tá aqui, o tema de Os inconfidentes do Chico, feito com poema da Cecília. (Jornalista: "- Chico, o que você acha de ter sido eleito o homem mais sexy do Brasil?" Chico: "- Isso é ridículo! Eu tenho 60 anos!!". Nem tão ridículo assim, meu bem, nem tanto assim...)



Os inconfidentes (1972)
Drama/ Histórico, 100 min.
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Roteiro: Joaquim Pedro de Andrade e Eduardo Escorel
Atores: José Wilker, Luiz Linhares, Paulo César Peréio, Fernando Torres, Carlos Kroeber, Nelson Dantas, Carlos Gregório, Margarida Rey, Susana Gonçalves

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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Quilombo



Esses dias eu estava vendo o programa da Regina Casé, Um pé de quê (que eu adoro), e, no episódio da Catolé, que é a palmeira que deu o nome a Palmares, ela cruza com um ator lá onde foi Palmares, e abraça o homem dizendo "que coincidência bacana, encontrar aqui em Palmares o ator que fez Zumbi no Quilombo do Cacá Diegues...". Eu pensei, ôpa. Assisti o filme errado, se eu queria ver Palmares, cena de luta e capoeira, não tinha que ter visto Ganga Zumba, de 1964, devia ter visto Quilombo, de 1984.

Reclamei até cansar de não ter visto Palmares no filme do Ganga Zumba. Este outro aqui é só o que tem. Com trilha sonora do Gilberto Gil. Os atores que eu mais curti ver ali foram a Zezé Mota, sempre linda-poderosa, de Dandara, e o Grande Otelo, já velhinho, fazendo como que uma participação especial, ensinando as crianças.



A história começa lá atrás, no mesmo ponto que começava o outro filme, com a fuga de Ganga Zumba. A história desse aqui não guarda coerência histórica com o anterior. As razões para fuga são outras, os personagens são diferentes, e, nesse aqui, o menino que viria a ser Zumbi nasce no caminho da fuga. No outro não tinha disso. A gente vê uns 30 anos no filme, talvez um pouco mais. Quando a moçada chega em Palmares, a chefe é uma velha, e ela passa a chefia para o Ganga. Depois o Ganga tem um racha com o povo de Palmares, toma uma decisão errada e, pra consertar, toma veneno e morre. Daí a chefia passa finalmente pro Zumbi.

O Cacá resolveu usar uma porção de recursos cenográficos teatrais, o que é muito bacana. Tinha, por exemplo, em algumas cenas, uma porção de potes de barro, muito, mas muito mesmo potes de barro, empilhados por toda parte. Eu achei, primeiro, que era pra mostrar fartura. Pote de barro é uma coisa que as pessoas usam, não é enfeite. Pra eles estarem ali, empilhados, é que tinha sobrando. Não desachei isso, pois tinha também uma cena de colheita com a moçada recolhendo abacaxi e pimenta de monte, não mandioca, abacaxi e pimenta. Aquela fartura colorida linda. Mas também achei outra coisa quando, no fim do filme, depois da guerra, a câmara mostra as ruínas de Palmares e todos os potes estavam quebrados.

Outro recurso usado foi a pintura dos atores. Não era uma coisa urucum, pintura de guerra de índio. Era tinta azul, e branca, e vermelha, e verde, a diferença das cores servia cada hora pra um fim. As pessoas andavam também vestidas com panos coloridíssimos, como, no século XVII, não se veria na corte! E dançavam. Como dançavam! O pico era pior que Porto Seguro, carnaval o ano todo. O maior dancê. Até pro Ganga Zumba pensar, pra tomar decisão politica, ele pensava dançando. Aquele festão toda noite, o povo dividindo uns cigarros...

Agora o melhor do filme foi quando surgiu... tan-tan-taram! O Domingo Jorge Velho. Me acabei naquela hora! O bacana é que, no filme, todos os negros são elegantes, com os panos coloridos e as pinturas e tudo, e todos os brancos são metidos-a-besta, usando aquelas roupas nada a ver com Pernambuco, mas o bandeirante chega a pé, caminhando que nem escravo no meio do canavial, ele e um time de uns outros quatro paulistas, maltrapilhos, sujos, sem chapéu, andando devagar e com cara de turminha do mau. O figurinista tomou até o ultra-cuidado de não vestir bota nos paulistas, mas umas sapatilhas de couro toscamente costuradas que eu achei o máximo. (Nessa cena aqui que eu botei pra vocês eles estão de bota, mas na cena da guerra tem até close das sapatilhas toscas.)



Pra quem não conhece a história, Palmares durou um século, mais ou menos. Resisitiu e ganhou todas as batalhas e guerras contra os senhores de engenho e o governo de Pernambuco. Várias expedições foram madadas com o intuito de destruir o quilombo e falharam lindamente. Até que um dia cansaram de ser bonzinhos e mandaram vir o Domingos Jorge Velho, malvado até o último fio de cabelo, que deu conta do trabalho e arrasou a coisa toda, Zumbi e tudo.

Quer dizer, mais ou menos, né? Quando ele consegui vencer a guerra, Palmares já era uma lenda que sobreviveria pra sempre, e, matando Zumbi, ainda deu de quebra pro brasileiro um herói jóia. No próximo feriado do Dia da Consciência Negra (não, ele não serve pra você tomar todas na noite anterior e passar o dia com a consciência negra), 20 de novembro, lembre de Zumbi, é o dia dele. E assista Quilombo, pra celebrar.

Quilombo (1984)
Aventura, 119 min.
Direção: Cacá Diegues
Roteiro: Cacá Diegues
Atores: Antonio Pompeo, Zezé Motta, Vera Fischer, Maurício do Valle, Grande Otelo, Daniel Filho, Jofre Soares

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