sábado, 3 de julho de 2010

Garrincha, alegria do povo


Em dia de eliminação da Copa do Mundo, achei que fazia sentido assitir um filme sobre futebol. Mais um do Joaquim Pedro, Garrincha, alegria do povo foi o primeiro documentário esportivo do Brasil. É um média metragem de 60 minutos, a metade deles pelo menos com imagens das copas de 1958 e 1962, cheias de gols incríveis de Garricha e Pelé. Aliás, foi inspirada por essa obra do Quinzinho que eu botei o Garrincha nessa imagem aí no topo do blog. Esse moço aí com a bola no pé, entre a bandeira do Brasil império e o Glauber Rocha, é o Garrincha.

O filme informa que o Garrincha era "guloso e com tendência a engordar" e que era rebelde nos treinos de preparo físico, no Botafogo. Eu fiquei olhando aquilo e pensando, se fosse hoje, um jogador assim, o Dunga não tinha escalado! Tinha ido pra Copa do Mundo sem Garrincha! Não tinha?

Na final da Copa de 58, ano que ganhou o primeiro título, o Brasil tinha maior famão de perdedor de finais.

Os comentaristas internacionais (...) não indicavam favoritos, mas achavam que se a Suécia fizesse o primeiro gol ganharia o jogo, porque os brasileiros iam perder a cabeça na certa.

E a Suécia fez o primeiro gol. Mas ao invés de se desestruturar, como fez a selecinha do Dunga ontem, o Brasil reagiu, o Garrincha fez bonito, o Pelé finalizou e a seleção de 58 saiu campeã com 5x2 em cima dos suecos.

A Copa de 62 foi mais dramática. Garrincha, gordinho e desinspirado, não deu o ar da graça nos dois primeiros jogos. O Pelé foi que meteu 2x0 nos mexicanos, e depois, contra a Tchecoslováquia no segundo jogo, distendeu a virilha e ficou de fora o resto da Copa. Sem Pelé, a brasileirada tava tensa no terceiro jogo contra a Espanha, mas Garrincha tomou chá de "encontrei-me" e praticamente ganhou a Copa sozinho. Salve Mané.

O futebol exerce sobre a emoção do povo um poder que só se compara ao poder das guerras. Leva o país inteiro da maior tristeza à maior alegria. Para explicar esse fenômeno, há duas teorias. Uma diz que a bola de futebol é um símbolo do seio ou do ventre materno, de modo que se compreende o ardor com que os jogadores disputam o jogo e a preocupação dos torcedores com o destino da bola. A outra teoria, mais sensata, diz que o povo usa o futebol para gastar o potencial emotivo que acumula por um processo de frustração na vida cotidiana. O universo lúdico do estádio é um campo mais cômodo para o exercício das emoções humanas. O último apito do juiz devolve o torcedor a sua realidade, aos caminho que vão e partem da segunda-feira até que o ciclo se feche com o primeiro apito dum novo jogo.

O Quinzinho passa a maior parte do tempo falando de Mané Garrincha, de Copas vencidas e da admiração do povo pelos jogadores até que, no minuto 45 do filme, ele entra com esse texto aí em cima e começa a desconstruir a imagem fofa que tinha estando montando. Imagem de violência extrema atrás de imagem de violência extrema, no campo e na arquibancada, seguida de uma moçada toda sorridente, e finalmente deixando o estádio e voltando pra ele no domingo seguinte, Quinzinho fecha o documentário numa clave crítica. Será mesmo legal manter o povo assim na sina de exercer sua emoções humanas num estádio de futebol? Ou seria melhor a gente aprender mais que logo a se libertar do ciclo do apito a apito e aprender a ser gente?

Agora então que acabou a Copa, melhor voltar a falar de arte e de política, né?


Garrincha alegria do povo (1963)
Documentário, 58 min.
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Roteiro: Joaquim Pedro de Andrade, Luiz Carlos Barreto, Armando Nogueira, Mário Carneiro, David Neves


E com vocês, a palavra dos especialistas. Sobre Garrincha, alegria do povo, Dom Glauber Rocha:

GARRINCHA E A VERDADE 
Glauber Rocha

Analisar Garrincha oferece os dados finais para concluir um capítulo sobre as origens do Cinema Novo no Brasil; dispensa ao mesmo tempo, diante do próprio filme, perguntas e respostas precipitadas sobre o que é este Cinema Novo. Garrincha é o novo cinema nacional, assim como Vidas Secas e Sol sobre a Lama. Poderia caracterizá-lo como um cinema de autor realizado numa expressão técnico-estética, onde idéia e mise-en-scène significam um corpo ativo de realismo crítico. (...) Garrincha é um tipo de cinema-verdade e não cinema-verdade como um tipo de cinema. Exigindo um rigor terminológico, eu proponho o cinema de autor como cinema-verdade: para situá-lo como síntese Cinema Novo.  

E Sêo Nelson Rodrigues:


À SOMBRA DAS CHUTEIRAS IMORTAIS
Nelson Rodrigues


(...) Amigos, eu tenho a maior desconfiança de qualquer documentário pelo seguinte: – o documentário é o mais burro dos gêneros. Isso por um lado. Por outro lado, o verdadeiro documentário é a poesia. Ou o sujeito recria poeticamente as coisas ou naufraga num pires d'água. (...) Se me perguntarem o que me impressionou mais na fita, eu diria: – as caras. Com a meticulosa, obsessiva paciência de um Proust visual, o Joaquim Pedro andou catando, no Maracanã, as reações fisionômicas da torcida. No ser humano, só a cara importa e o resto é paisagem. E, na fita, o que vemos é a máscara humana na sua infinita variedade. Uma coisa vos digo: – não há Nápoles, não há rio, ou mar, ou Via Láctea, ou aurora, ou poente que seja tão patético como as caras desdentadas que o Joaquim Pedro descobriu.

Ambos textinhos na página do filme no delicioso site da Filmes do Serro!


DOWNLOAD AVI

3 comentários:

  1. Para os curtidores de "É tudo verdade", faço minhas as palavras do Nelson Rodrigues e tenho dito!

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  2. Texto Lindão!!

    Parabéns.


    Beijokas.

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  3. Link Death, pleace upload new!

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