quarta-feira, 16 de junho de 2010

Os inconfidentes


Mais um longa do Joaquim Pedro. Este aqui é muito bacana. É um drama histórico sobre... a Inconfidência Mineira, nenhuma surpresa até aí. Foi feito com a habitual qualidade dos filmes do Quizinho (por que eu e êle agora estamos superíntimos, precebe?) e também com algumas cenas loucas que denunciam o Cinema Novo, das quais minha preferida é a cena de abertura, porque fala da mesma coisa que sempre mais me assombrou na história da Inconfidência: a idéia do Tiradentes apodrecendo, aos pedaços, no caminho de Vila Rica até a corte.


É um filme bem bacana este, recomendo muito e acho que vai agradar muita gente. Tem crítica aberta ao Tiradentes, o Tomás Antônio diz dele "Aquele fanático me aborrece. Não quero vê-lo". Serve bem pra quem gosta de duvidar do Tiradentes pelo hábito de duvidar de quem apontam como herói. O que é um hábito muito saudável, mas, guardando-se as proporções, não vejo muito problema em cultivar um ou dois heróis nacionais. Faz bem, pra quem tem tradição de lutas inglórias.

Apesar das cenas loucas, que costumam incomodar quem não está educado a assistir, a maior dificuldade dele não está nas imagens - as cenas loucas são poucas -, mas no texto. O Quinzinho (com a ajuda de um Sr. Eduardo Escorel) fez o roteiro todo usando apenas textos dos autos da devassa e de poemas do Cláudio Manoel da Costa, do Tomás Antônio Gonzaga, do Alvarega Peixoto e do Romanceiro da Inconfidência da Cecília Meireles, porque, além de um pão, ele era um homem muito ligado à poesia (suspiro!).

Foi muito bacana ver, na telinha da tevê, o Tomás Antônio Gonzaga em carne e osso acordando o Manoel da Costa justamente com meus versos preferidos das Cartas Chilenas:


AMIGO DOROTEU, PREZADO AMIGO,
ABRE OS OLHOS, BOCEJA, ESTENDE OS BRAÇOS
E LIMPA DAS PESTANAS CARREGADAS
O PEGAJOSO HUMOR, QUE O SONO AJUNTA
CRITILO, O TEU CRITILO É QUEM TE CHAMA:
ACORDA, SE OUVIR QUERES COISAS RARAS.
QUE COUSAS, (TU DIRÁS), QUE COUSAS PODES
CONTAR, QUE VALHAM TANTO QUANTO VALE
DORMIR A NOITE FRIA EM MOLE CAMA?
(...)
ACORDA, DOROTEU, ACORDA, ACORDA;
CRITILO, O TEU CRITILO É QUEM TE CHAMA.
(O texto completo dessa, que é a primeira carta, você acha aqui.)

Você precisam entender que o ciclo árcade de Minas Gerais é um pedaço muito querido meu da literatura brasileira. Sempre fui muito fã desses caras que o Quinzinho pegou e botou na tela usando o Fernado Torres, o Carlos Kroeber e o Luiz Linhares. Vibrei demais. Vibrei também em ver na telinha, com cara de louco e chapéu de três bicos, o senhor da Silva Xavier em pessoa, na pessoa, aliás, do Zé Wilker!

Esse Zé Wilker me pegou de jeito. Sempre conheci ele das novelas da tevê, não cheirava nem fedia, era só mais um ator global pra mim. Tanto fazia como tanto fez. Até que eu vi ele de governador da capitania de Minas (ó! ironia!) no Xica da Silva do Cacá Diegues, mandando muito bem. A partir daí, ele começou a aparecer em toda parte. Até que em Dona Flor eu tive que dar o braço a torcer que o cara é muito bom ator. E requisitadíssimo, por sinal. Só dos que eu me lembro agora, trabalhou com o Joaquim Pedro, com o Cacá Diegues e o com o Bruno Barreto. Quando eu crescer, quero ter um currículo assim também. Fiquei achando ele meio parecido com o John Malkovitch, que que vocês acham?

Lá pro fim do filme, o Quinzinho resolveu usar uns recursos teatrais pra disposição dos atores pra fazer sobrepor umas cenas. Desse jeito, a gente consegue ver o famoso "Dez vidas eu tivesse, dez vidas eu daria" logo antes da entrada da Dona Maria, ainda não louca, que vem pessoalmente recitar pra gente a medonha sentença do Tiradentes. Ela, isto é, a Coroa, meio que perdoa todos os envolvidos, trocando a pena de forca a degredo, menos pro Tiradentes, que era o único que não era figurão na patotinha. Lembram que a profissão dele, além dos bicos de dentista, era alferes? Fui perguntar pro Houaiss, e um alferes é um oficial de patente abaixo do tenente, um segundo-tenente. É o primeiro posto da carreira do oficialato. Não é muito, certo? Se mandar enforcar, esquartejar, pendurar os pedaços daqui até o Rio de Janeiro, ninguém vai sentir muita falta, certo?

Olha aí a sentença do Tiradentes. Para os meus amigos advogados, gente estranha que gosta de ler sentença, o texto integral pode ser encontrado aqui.

Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier por alcunha o Tiradentes Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas publicas ao lugar da forca e nella morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Villa Rica aonde em lugar mais publico della será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes pelo caminho de Minas no sitio da Varginha e das Sebolas aonde o Réu teve as suas infames práticas e os mais nos sitios (sic) de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens applicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Villa Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infamia deste abominavel Réu... 

Minha parte preferida é a que manda morrer morte natural para sempre... Me perdoem, só mais um pouquinho. Quero mostrar ainda a sorte do Manoel da Costa, que escreveu uns lindos poemetos.

Ao Réu Claudio Manoel da Costa que se matou no carcere, declaram infame a sua memoria e infames seus filhos e netos tendo-os e os seus bens por confiscados para o Fisco e Câmara Real. 

Olha aqui, tem o texto da Cecília Meireles (para deficiente visuais. ?!). Não tem paciência pra ler poesia? Pra ouvir Chico Buarque você tem, né? Tá aqui, o tema de Os inconfidentes do Chico, feito com poema da Cecília. (Jornalista: "- Chico, o que você acha de ter sido eleito o homem mais sexy do Brasil?" Chico: "- Isso é ridículo! Eu tenho 60 anos!!". Nem tão ridículo assim, meu bem, nem tanto assim...)



Os inconfidentes (1972)
Drama/ Histórico, 100 min.
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Roteiro: Joaquim Pedro de Andrade e Eduardo Escorel
Atores: José Wilker, Luiz Linhares, Paulo César Peréio, Fernando Torres, Carlos Kroeber, Nelson Dantas, Carlos Gregório, Margarida Rey, Susana Gonçalves

DOWNLOAD RMVB

Um comentário:

  1. Gostei do seu post, me ajudou a ter coragem de assistir o filme. Tomara que seja bom como você diz.

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