quinta-feira, 3 de junho de 2010

Quilombo



Esses dias eu estava vendo o programa da Regina Casé, Um pé de quê (que eu adoro), e, no episódio da Catolé, que é a palmeira que deu o nome a Palmares, ela cruza com um ator lá onde foi Palmares, e abraça o homem dizendo "que coincidência bacana, encontrar aqui em Palmares o ator que fez Zumbi no Quilombo do Cacá Diegues...". Eu pensei, ôpa. Assisti o filme errado, se eu queria ver Palmares, cena de luta e capoeira, não tinha que ter visto Ganga Zumba, de 1964, devia ter visto Quilombo, de 1984.

Reclamei até cansar de não ter visto Palmares no filme do Ganga Zumba. Este outro aqui é só o que tem. Com trilha sonora do Gilberto Gil. Os atores que eu mais curti ver ali foram a Zezé Mota, sempre linda-poderosa, de Dandara, e o Grande Otelo, já velhinho, fazendo como que uma participação especial, ensinando as crianças.



A história começa lá atrás, no mesmo ponto que começava o outro filme, com a fuga de Ganga Zumba. A história desse aqui não guarda coerência histórica com o anterior. As razões para fuga são outras, os personagens são diferentes, e, nesse aqui, o menino que viria a ser Zumbi nasce no caminho da fuga. No outro não tinha disso. A gente vê uns 30 anos no filme, talvez um pouco mais. Quando a moçada chega em Palmares, a chefe é uma velha, e ela passa a chefia para o Ganga. Depois o Ganga tem um racha com o povo de Palmares, toma uma decisão errada e, pra consertar, toma veneno e morre. Daí a chefia passa finalmente pro Zumbi.

O Cacá resolveu usar uma porção de recursos cenográficos teatrais, o que é muito bacana. Tinha, por exemplo, em algumas cenas, uma porção de potes de barro, muito, mas muito mesmo potes de barro, empilhados por toda parte. Eu achei, primeiro, que era pra mostrar fartura. Pote de barro é uma coisa que as pessoas usam, não é enfeite. Pra eles estarem ali, empilhados, é que tinha sobrando. Não desachei isso, pois tinha também uma cena de colheita com a moçada recolhendo abacaxi e pimenta de monte, não mandioca, abacaxi e pimenta. Aquela fartura colorida linda. Mas também achei outra coisa quando, no fim do filme, depois da guerra, a câmara mostra as ruínas de Palmares e todos os potes estavam quebrados.

Outro recurso usado foi a pintura dos atores. Não era uma coisa urucum, pintura de guerra de índio. Era tinta azul, e branca, e vermelha, e verde, a diferença das cores servia cada hora pra um fim. As pessoas andavam também vestidas com panos coloridíssimos, como, no século XVII, não se veria na corte! E dançavam. Como dançavam! O pico era pior que Porto Seguro, carnaval o ano todo. O maior dancê. Até pro Ganga Zumba pensar, pra tomar decisão politica, ele pensava dançando. Aquele festão toda noite, o povo dividindo uns cigarros...

Agora o melhor do filme foi quando surgiu... tan-tan-taram! O Domingo Jorge Velho. Me acabei naquela hora! O bacana é que, no filme, todos os negros são elegantes, com os panos coloridos e as pinturas e tudo, e todos os brancos são metidos-a-besta, usando aquelas roupas nada a ver com Pernambuco, mas o bandeirante chega a pé, caminhando que nem escravo no meio do canavial, ele e um time de uns outros quatro paulistas, maltrapilhos, sujos, sem chapéu, andando devagar e com cara de turminha do mau. O figurinista tomou até o ultra-cuidado de não vestir bota nos paulistas, mas umas sapatilhas de couro toscamente costuradas que eu achei o máximo. (Nessa cena aqui que eu botei pra vocês eles estão de bota, mas na cena da guerra tem até close das sapatilhas toscas.)



Pra quem não conhece a história, Palmares durou um século, mais ou menos. Resisitiu e ganhou todas as batalhas e guerras contra os senhores de engenho e o governo de Pernambuco. Várias expedições foram madadas com o intuito de destruir o quilombo e falharam lindamente. Até que um dia cansaram de ser bonzinhos e mandaram vir o Domingos Jorge Velho, malvado até o último fio de cabelo, que deu conta do trabalho e arrasou a coisa toda, Zumbi e tudo.

Quer dizer, mais ou menos, né? Quando ele consegui vencer a guerra, Palmares já era uma lenda que sobreviveria pra sempre, e, matando Zumbi, ainda deu de quebra pro brasileiro um herói jóia. No próximo feriado do Dia da Consciência Negra (não, ele não serve pra você tomar todas na noite anterior e passar o dia com a consciência negra), 20 de novembro, lembre de Zumbi, é o dia dele. E assista Quilombo, pra celebrar.

Quilombo (1984)
Aventura, 119 min.
Direção: Cacá Diegues
Roteiro: Cacá Diegues
Atores: Antonio Pompeo, Zezé Motta, Vera Fischer, Maurício do Valle, Grande Otelo, Daniel Filho, Jofre Soares

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3 comentários:

  1. Ei, gostei do comentário do filme e dos detalhes. Quero ver. aliás, nas férias vou ver todos esses filmes que vc andou blogando aqui.

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  2. Cara,amei o filme!
    vc comentou muito bem, parabéns!
    Além de tudo q vc falou, a música é um recurso à parte.
    show!!!!

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  3. Muito minuciosa em relatar o filme , muito legal !

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