"Matou a família e foi ao cinema" é uma das frases mais famosas do cinema brasileiro. É o título de um média-metragem de 1969 de Júlio Bressane. O filme fala desses crimes sem sentido que a gente lê (lia) naqueles jornais de que se dizia "se espremer sai sangue". Aquelas manchetes com uma frase resumindo o caso da maneira mais macabra possível, pra você se espantar e comprar o jornal pra ler a notícia, e quando você ia ver, a manchete completamente distorcia a notícia e você acabava com os crimes mais banais num jornal que sujava sua mão. Tinha quem gostava, desses jornais.
Não é o caso de Júlio Bressane. Ele realmente te entrega a lebre que vendeu. O filme começa com cenas de um apartamente de cidade grande, com uma família de classe média já meio enlouquecida dentro. O filhinho, de uns 30 anos, enche o saco e acaba com papai e mamãe com uma navalha. E em seguida vai ao cinema.
Seguem-se outras história macabras, como as das duas mocinhas que se amavam. A mãe de uma delas descobre, fica fula, ameaça separar as duas e, no dia que pega elas no ato, acaba sendo sufocada pela filha, enquanto a namorada - numa cena bacaníssima - fica sentada numa cadeira, em segundo plano, lixando as unhas. Tem também a história do pai de família malandro e bêbado, que gasta a pouca grana que tem no bar, enquanto a mulher e o filho bebê passam fome em casa. Num belo dia a mulher dele diz que já está cheia, que já achou "quem a sustente" e que ela vai embora. Pai de família macho pode deixar mulher ir embora com outro homem? Dá-lhe pipoco na mulher e no bebê. E depois o cara fica lá sentado, a câmara focada no rosto dele, uma marchinha de fundo, e ele repetindo "Matei por amor! Matei por amor!"
Essas histórias são interferências na história principal, a que a história do moço que mata a família e vai ao cinema é um prelúdio. A história principal, aquele em que o Júlio Bressane passa mais tempo trabalhando, é sobre uma moça rica decidindo se separa ou não do marido chato, sozinha na mansão com a melhor amiga. As duas moças piram sabe-se lá de quê, fazem uma senhora festa (só as duas), e à noite, de pijama, já mais loucas que o batman, acabam se matando enquanto brincam com as armas da coleção do marido chato. O que rende umas cenas muito legais.
A questão é que quando elas tão quase pra se matar, aparece uma interferêcia de uma cena com as duas tranquilamente sentadas num parque, do lado de um carrinho de bebê, e uma delas comenta que foi ao cinema ver um filme nacional com o marido, sobre duas moças sozinhas numa mansão, que faz ela se lembrar "daquela noite em Petrópolis". O filme chamava Perdidos de amor, que era o mesmo filme que o cara vê no cinema depois que mata a família. E a gente fica meio perdido. Essas histórias, "aconteceram" como o assassinato da família louca do moço ou são só o filme que ele está assistindo? Ou talvez só a história das moças que é? E você se pergunta, então, o que é verdade e o que é cinema. No filme.
Confuso, né? Bom, também.
Matou a família e foi ao cinema faz parzinho com O bandido da luz vermelha do Sganzerla, de 1968. Os dois são grandes marcos do Cinema Marginal, que vinha surgindo como uma contraproposta, em tema e estética, ao Cinema Novo. São também dois policiais baseados em notícias de jornal. Em O bandido da luz vermelha, a narração era toda feita de manchetes de jornal da época, sobre o Luz e outras bizarrices que iam acontecendo. A diferença está em que, enquanto o Luz era um bandido-estrela, um rockstar do crime, Matou a família fala sobre crimes ordinários, que acontecem todo dia como pequenas tragédias particulares.
O filme de Júlio Bressane também me faz pensar também naquela música do Chico Buarque chamada justamente Notícia de Jornal, que começa com como se fosse uma manchete: "tentou contra a existência num humilde barracão" e termina com "a dor da gente não sai no jornal". Mostrando mais fatos, mais humanidade nas notícias macabras que a gente lia naqueles jornais "se espremer sai sangue", o Bressane dá conta dessa dor da gente que no jornal nunca sai.
Matou a família e foi ao cinema (1969)
Drama, 80 min.
Direção: Júlio Bressane
Roteiro: Júlio Bressane
Atores: Márcia Rodrigues, Renata Sorrah, Antero de Oliveira, Vanda Lacerda
Se você resolver ver, atenção que tem um remake de 1991 com o Alexandre Frota e a Cláudia Raia, dirigido por Neville D'Almeida. Não vi, não sei se é bom ou não, mas eu tenho o hábito de desconfiar de remakes.
A versão que está rodando na internet tem legendas em italiano. Não atrapalha muito. Eu achei usando um torrent mesmo, mas também dá pra ver no youtube, todinho.
DOWNLOAD TORRENT
Virus
ResponderExcluirah que m***. :(
ResponderExcluireu tinha tirado a minha cópia daí. (eu acho...)